A regulação econômica configura uma forma de regramento externo à atividadeeconômica das empresas, caracterizando uma intervenção nas relaçõesestabelecidas por contratos em ambientes de mercado. Tradicionalmente, aregulação foi atividade típica do Estado e as agências reguladoras seu exemplo maisevidente. De acordo com Márcio Iorio Aranha:
“A regulação, em síntese, é a presença de regras e atuação administrativa (law andgovernment) de caráter conjuntural apoiadas sobre o pressuposto de diuturnareconfi guração das normas de conduta e dos atos administrativos pertinentes para a finalidade de redirecionamento constante do comportamento das atividadessubmetidas a escrutínio (…)”.
A teoria da regulação baseada no “interesse público”, em geral, entende que osmercados falham e que os governos seriam capazes de corrigir essas falhas pormeio da regulação.
Combinados, os dois fatores podem gerar mais concorrência e bem-estar aos consumidores.
Dessa forma, a regulação ocorre diante das falhas de mercado, sendo o abuso depoder de mercado e assimetria informacional as formas mais conhecidas disso.Todavia, a regulação estatal também tem falhas, denominada falhas de governo,sendo a captura a sua forma mais conhecida.
Diante da inefi ciência da regulação estatal, foram criadas novas formas deregulação, dentre elas a corregulação ou regulação regulada (ou supervisionada) eautorregulação são as espécies mais conhecidas. Nesses casos, “o particular é umator do ambiente regulador, partilhando com o Estado a responsabilidade peloalcance do interesse público.
O cidadão do Estado Regulador é uma engrenagem essencial e uma força motriznecessária à implementação do interesse público, mediante co-participação naprestação de atividades socialmente relevantes”.
A autorregulação é a regulação feita por um grupo de atores ou de agenteseconômicos para controlar o comportamento de seus membros em ambientes demercado. Esses atores podem ser, por exemplo, órgãos profi ssionais, associaçõescomerciais, grupos de interesse público, parceiros de negócios, consumidores oumesmo corporações.
A partir dos ensinamentos fundamentalmente de Robert Bladwin, Martin Cave andMartin Lodge, em Understanding Regulation: Theory, Strategy, and Practice, destacamos aqui algumas características da autorregulação.
Há três importantes variáveis para a autorregulação: (i) natureza estritamenteprivada ou então mista com interesses governamentais (por exemplo, em resposta auma política pública que delega atribuições a entidades privadas), (ii) o papelexercido pelos autorreguladores, e (iii) a força vinculante das regrasautorreguladoras. Quanto à sua natureza, a autorregulação pode ser puramenteprivada quando, por exemplo, uma associação almeja alcançar objetivos privados deseus membros.
Ou seja, os autores são os próprios destinatários daregulação.
Além disso, a autorregulação pode decorrer de uma imposição governamental,quando, por exemplo, o governo estabelece regras para o processo deautorregulação, fi scalização de agências governamentais, procedimentos para o enforcement público de regras de autorregulação, ou mecanismos de participaçãoou accountability.Nesse caso, a ausência autorregulação pode levar à atuação repressiva do governoou mesmo à regulação estatal. No Brasil, algumas agências reguladoras se valemdesse procedimento, havendo experiências já promovidas pelo BACEN, Anatel e a própria Senacon.
Nesse caso, a ausência autorregulação pode levar à atuação repressiva do governoou mesmo à regulação estatal. No Brasil, algumas agências reguladoras se valemdesse procedimento, havendo experiências já promovidas pelo BACEN, Anatel e a própria Senacon.
No que se refere ao papel exercido pelos autorreguladores, destaca-se a elaboraçãode regras de autorregulação, a sua aplicação e o monitoramento de todo o processo.
No Brasil, o exemplo mais antigo e conhecido de autorregulação é o CONAR. Quando se tratar de uma autorregulação criada pelo governo, poderá uma agênciapública aplicá-las e monitorá-las (ainda que alguns preferiram denominar esseprocesso de autorregulação regulada).
Finalmente, no que tange à força vinculante das regras autorreguladoras, destaca-seque a autorregulação pode tanto operar de uma maneira informal, não vinculante evoluntária, quanto envolver regras vinculantes, passíveis de aplicação pelo PoderJudiciário, quando recebidas pela legislação (por exemplo, o artigo 113 do CódigoCivil recepciona os usos e costumes comerciais e frequentemente o PoderJudiciário aplica as regras dos INCOTERMS da CCI como regras do comérciointernacional, ainda que rigorosamente falando se trate de soft law).
A expertise das entidades autorreguladoras e a efi ciência (em termos de custo-benefício) dessa forma de regulação são as principais vantagens de se autorregular.Essas entidades “normalmente possuem mais expertise relevante e conhecimentotécnico que o regulador independente”, e conhecem o que será consideradorazoável em termos de obrigações regulatórias pelas partes reguladas.
Esse conhecimento permite que autorreguladores façam demandas aceitáveis aosagentes econômicos afetados, o que produz maiores níveis de compliance voluntário, em comparação às regras regulatórias externas à entidade. Ademais, aautorregulação tem o potencial de produzir controles efi cientes.
Com efeito, autorreguladores tem menor assimetria informal em relação aomercado, possuindo por isso baixos custos em adquirir a informação necessáriapara formular e estabelecer parâmetros, diante do contato constante e de fácilacesso com seus membros. Portanto, eles têm baixos custos de monitoramento e enforcement e podem gerar mudanças sem causar grandes impactos negativos.
Por outro lado, as desvantagens quanto à autorregulação referem-se a: (i) mandates, (ii) accountability, e (iii) fairness of procedure.
No que se tange à primeira desvantagem, cumpre ressaltar que, além dasdifi culdades de se determinar o conteúdo da autorregulação, seus objetivosgeralmente são estabelecidos alegadamente por instituições sem legitimidade democrática para tanto, por exemplo, membros de associações privadas.
Isso se torna ainda mais problemático quando a autorregulação afeta partes alheiasà entidade ou questiona-se sobre o interesse público supostamente tutelado pelaautorregulação.
Já a segunda desvantagem, accountability, refere-se à ausência de consenso sobre aresponsabilidade dos órgãos de autorregulação perante o Poder Judiciário, porexemplo. A desvantagem fairness of procedure, por sua vez, faz referência à injustiçadaqueles que não são membros da entidade autorreguladora serem afetados pordecisões regulatórias em que possuíram pouco ou nenhum acesso.
Já há no Brasil projetos de lei sobre a autorregulação tentando endereçar essasalegadas desvantagens, mas parece, a despeito do propósito meritório, muitocedo para uma intervenção legislativa nesse processo que está recém começandono Brasil.
Diante das vantagens e desvantagens apresentadas, deve-se sopesá-las paraaveriguar se as vantagens são superiores às desvantagens, ou seja, se expertise eefi ciência são superiores às preocupações (mandates, accountability, and fariness ofprocedures), mas imaginamos que a área de tecnologia e de dados éparticularmente propícia para tanto, seja pelo maior conhecimento das própriasempresas dos limites de sua atuação, o que exatamente elas fazem e pela própriaestruturação recente da ANPD; certamente, a autorregulação é superior a ausênciade regulação quando há grandes players como as big techs.
Ante todo exposto, conclui-se que a autorregulação é uma excelente ferramenta ecombinada com a tradicional regulação pode gerar mais concorrência e bem-estaraos consumidores.