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Segundo George J. Stigler, “o Estado – a máquina e o poder do Estado – é uma potencial fonte de recursos ou de ameaças a toda atividade econômica na sociedade. Com seu poder de proibir ou compelir, de tomar ou dar dinheiro, o Estado pode (e efetivamente faz) ajudar ou prejudicar, seletivamente, um vasto número de indústrias”.

Racionalmente, a atividade de regular os setores econômicos serve, como já tivemos oportunidade em defender nesse espaço, para aproximar a realidade econômica de fins político-jurídicos pré-determinados, contando com mecanismos, métodos e instrumentos próprios para isso. Mas a politica pode também afastar a atividade regulatória de seu nível ótimo, distanciando-a da Ciência Econômica e prejudicar a concorrência.

Regulação não representa exercício meramente arbitrário do Estado a serviços da ideologia política dosgovernantes

A economia da regulação coloca a atividade regulatória do Estado dentro do contexto da Ciência Econômica, isto é, o contexto da escassez de recursos e de uma necessidade, portanto, de eficiência no desenho das políticas públicas a fim de aumentar o bem-estar da sociedade.

Sobre esse aspecto da regulação, Gustavo Binenbojm comenta que: “a ciência econômica atua inevitavelmente na atividade de formulação de políticas regulatórias e impõe aos tomadores de decisões uma postura responsável diante das limitações fáticas de recursos disponíveis e dos dilemas reais na sua alocação e distribuição.

Uma série de mecanismos foram criados para avaliar, medir e orientar a alocação racional e eficiente de recursos – finalidade essa típica da regulação dos mercados.

Um exemplo disso é o famoso princípio de Pareto, que é utilizado como uma métrica de eficiência dos mercados.

Por meio desse critério (Pareto), uma situação econômica é considerada ótima quando não for possível a um agente melhorar a sua própria situação sem piorar a situação de outrem. Isto é: uma relação de maximização eficiente do bem-estar.

E esta situação, ainda que ideal, é a que deve ser almejada e perseguida pela regulação econômica. Também existe o critério de Kaldor-Hicks, que admite situações individuais de perda, quando elas forem compensadas por ganhos, gerando aumento de bem-estar social.

Além desses mecanismos típicos da economia, existem também instrumentos jurídicos que servem para balizar a eficiência e legitimidade da regulação econômica. Afinal, os fins político-jurídicos pré-determinados estão ligados à proteção do consumidor, do ambiente, da livre iniciativa e da liberdade econômica, conforme preconiza a Constituição Federal.

Como consequência disso, recentemente em 2019, o ordenamento jurídico pátrio foi atualizado no que concerne ao regime jurídico da regulação econômica, com o advento da Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019). Essa Lei, com efeito, representa uma tentativa recente de se promover a liberdade econômica através de uma declaração de direitos fundamentais de cunho econômico, relacionados à liberdade econômica e livre iniciativa.

No plano específico da regulação econômica, a LLE estabelece limites, entre outras formas, como já explicamos nesse espaço, pela adoção de Análise de Impacto Regulatório (AIR) e o controle do abuso regulatório pelo FIARC/SEAE do Ministério da Economia. E, assim o fazendo, também estabelece alguns deveres positivos ao Estado (inclusive o Ministério Público e o Judiciário) para defesa da livre iniciativa.

A observação que deu ensejo a essa mudança legislativa é a de que o Estado também pode ser agente produtor de falhas de mercado, principalmente em sua atuação como regulador da economia (eis as chamadas “falhas de governo”).

Sendo assim, essa mudança legislativa pretende estabelecer parâmetros mais objetivos e criteriosos ao regulador, na medida em que este se vê obrigado a fundamentar e legitimar suas decisões com base em estudos pragmáticos e empíricos das consequências da regulação que se pretende realizar; e se presta também a revisar os excessos do estoque regulatório que atrapalham a concorrência e o exercício da livre iniciativa.

A Instrução Normativa nº 97 SEAE, de 02 de outubro de 2020, representa um marco importante para o Direito da Liberdade Econômica, além de ser responsável por criar o programa Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial (FIARC). Ela não define o que seja o abuso regulatório, mas em evento promovido pela FGV.

,o secretário Andrey Freitas trouxe uma útil definição, isto é, quando o custo da regulação ultrapassa seu benefício. Mariana Oliveira de Melo Cavalcanti, no mesmo sentido, ressalta que, apesar de se tratar de um conceito jurídico indeterminado, o abuso regulatório está relacionado a atos que promovam distorções à concorrência e à liberdade do mercado, acentuando o risco de captura das agências e aumentando os custos de transação.

Em seu art. 1º, a IN SEAE 97 expõe o rol de competências da Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade, como: a revisão de leis, regulamentos e outros atos normativos da administração federal, estadual e municipal (inciso I),acompanhamento de funcionamento dos mercados (inciso II), proposição de medidas para melhoria regulatória e do ambiente de negócios (inciso III), análise de impacto regulatório de políticas públicas (inciso IV), e assim por diante.

No Capítulo II e seguintes da IN SEAE 97, por exemplo, são destrinchados importantes conceitos extraídos da Lei de Liberdade Econômica (art. 4º), como abuso regulatório e concorrencial, reservas de mercado (art. 4º, I), enunciados anticoncorrenciais (art. 4º, II), especificação técnica não necessária ao fim almejado(art. 4º, III), entre outros. Tudo isso retrata um avanço significativo na conceituação e repressão do abuso de poder regulatório estatal.

Assim, o FIARC funciona como um canal de entrada para que agentes regulados, nos mais diversos setores econômicos, possam apresentar requerimentos à SEAE a respeito de normas regulatórias específicas que entendam serem prejudiciais à concorrência.

Esses requerimentos então passam por uma análise preliminar de admissibilidade, para então serem abertos a uma discussão mais ampla e transparente com os interessados, inclusive por meio de audiências públicas.

Ao final, é produzido um parecer pela SEAE que, nos casos em que a análise concluir pela existência de impacto negativo sério à concorrência, com desrespeito a preceitos legais, informará a Advocacia Geral da União (AGU) para avaliar a pertinência de alguma medida contra a ilegalidade verificada.

Segundo comunicado do Ministério da Economia, a SEAE aprovou três novas denúncias de possíveis abusos regulatórios na última reunião da FIARC, ocorrido no último dia 12 de maio. O Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), questiona a Portaria CMEN nº 279/97, por entender que o estabelecimento de uma cota anual para importação de hidróxido de lítio restringe, de forma injustificada, as importações desse insumo para produção de graxas lubrificantes, gerando barreiras de entrada para novos ofertantes e, como consequência, criando reserva de mercado.

Outro requerimento também aprovado foi o da empresa Contabilizei Contabilidade LTDA, que denunciou dispositivos da Norma Brasileira de Contabilidade (NBC PG01/2019) relacionados ao uso de publicidade.

Por último, a Associação de Usuários dos Portos da Bahia (Usuport) apresentou requerimento para apurar uma possível afronta da Resolução Normativa nº 34/2019,da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), à Lei de Liberdade Econômica.

Nesse aspecto, a Usuport alega que a norma em questão, ao autorizar que operadores portuários cobrem de seus concorrentes no mercado de armazenagem alfandegada as Instalações Portuárias Alfandegadas – taxa de segregação de contêineres de importação destinados a outras áreas alfandegadas, gera prejuízos à concorrência e aumenta os custos de transação sem demonstrar benefícios.

O que se observa é que o programa FIARC já está dando sinais interessantes de aceitação do mercado, e apesar de os processos estarem em fases iniciais, o programa apresenta uma boa perspectiva de servir como uma ferramenta valiosa contra o abuso regulatório estatal.

Desse modo, há de se observar que a regulação econômica não representa um exercício meramente arbitrário do Estado a serviços da ideologia política dos governantes (ainda que legitimamente eleitos), mas, ao contrário, respeita objetivos político-jurídico constitucionais pré-determinados, prestando atenção a noções de economia – economia da regulação – e aos limites impostos pela Lei, em especial à Lei de Liberdade Econômica; e especialmente aos ditames constitucionais de promoção da livre iniciativa, que é direito fundamental, como já reconhecido em julgamento paradigmático do STF acerca do caso UBER, em que foram fixadas as teses, por meio do RE 1.054.110 e ADPF 449, de que é inconstitucional a restrição de transporte por motoristas de aplicativo, justamente por violação aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência – que reconhecidamente detêm status de direitos fundamentais.

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